O dia do show de piromania do Baca começou muito saudável por sinal. Moravamos no quinto e último andar, as ruaas adjacentes ao prédio eram sossegadas e às 8 h da noite não circulava vivalma na rua, exceto um ou outro que ia jantar no Frajola. Naquele d ia eramos em cinco e haviamos tambem ido ao frajola. Comemoravamos o fechamento de algumas matérias o que nos deixava um pouco mais perto da formatura. Dendinho, Garcia, Baca e eu também os resultados atingidos. Até o Lucio sempre muito discreto estava falante nesse dia.
Foi o Garcia que avistou o tubo de um lubrificante pareceu-me na forma de aerosol jogado na entrada do prédio. Deveria ter caido de alguma sacola de supermercado. Garcia já havia tomado algumas e o Baca havia tomado todas. Subíamos pela escadaria e o Garcia espalhava o conteúdo com o aerosol pela escada. O Garcia e o Baca fumavam. Chegando ao apartamento o Baca notou que o tubo dispersava uma nuvem inflamavel, algo até um tanto perigoso, mas nada que trouxesse maiores preocupações na época.
Encostando um isqueiro no bico e aspergindo o gás o tubo virava um perfeito lança-chamas pela labareda expelida. Fomos para o terraço. Baca trouxe um instrumento de cordas que parecia uma lira e tinha sido usada num teatro da escola. A pantomina, ou melhor o circo estava montado. Garcia fazia a labareda e o Baca soltava a voz no terraço fantasiado, tangendo a lira com um ramo de folhas na cabeça. Sobre os ombros um lençol branco. Berrava a plenos pulmões “abaixo a ditadura”.
Lucio gostou da coisa e dava grandes berros que acompanhavam o tamanho da labareda. Passou-se um tempo. Ninguem mais se dera conta do barulho. Súbito começamos a ouvir gritos, nítidos gritos sem identificação da origem.
Debruçando sobre o terraço, Baca notou então a causa daquilo. Assustados com as labaredas os pacatos moradores haviam se agrupado numa multidão que ia crescendo sem parar enquanto as pessoas apontavam para o terraço gritando, sem saber o que estava acontecendo.
Desafiadoramente o Baca aumentava as labaredas e gritava por socorro. De repente ouvi gritarem – “polícia, chamem a polícia” e pensei – Isto não vai prestar... Ouvi sirenes ao longe. Haviam chamado os bombeiros, o exercito, os fuzileiros, sei lá.
Não havia um segundo a perder. O apartamento foi trancado, descemos as escadas e em desabalada carreira saimos sem olhar para trás, misturados a multidão. Uma multidão ameaçava invadir o prédio “para pegar os comunistas”.
Retornamos apenas pela manhã. Dormimos no Centro de Vivência do CRUSP jogados em um sofá. Não conseguimos saber o que aconteceu e por prudência também não perguntamos. Estava na época de renovar o aluguel e o canto da lira não ia ajudar em nada.