Andróide 8661




A posição nesta mesa de exame é extremamente incômoda. Não consigo ter controle dos meus movimentos e isto me dá uma certa angústia. Não tenho uma idéia clara do que eles querem comigo. Consigo identifica-los quando entram e manipulam aparelhos ligados ao meu corpo. Não sei para que finalidade são estes equipamentos. Nunca os vi antes.
    Consigo tomar conhecimento desta imensa sala branca e antisséptica. Onde um zumbido elétrico me deixa atordoado.  Minha cabeça não responde e a visão torna-se escura as vezes. Será que minha cabeça foi aberta ? Fitas magnéticas de metal prendem-me nesta mesa de observações. Os mostradores indicam medidas tão estranhas. Acho que são esses eletrodos que colocaram sobre esta pseudo carne.
Quando de iniciou minha programação ? Que falha, minha memória tem falhas.
    Meu centro de memória e lógica é uma integração do tipo mista composta de uma rede neural altamente subdividida em cerca de um bilhão de unidades e pontos concentrados de bases de dados. Tenho a capacidade de retenção e de aprendizado. Sei que o genoma coordena esta distribuição num cérebro humano. É correto que uma cadeia de Adenina. Timina. Guanina e Citosina não possa controlar as emoções do espírito.
    Não tenho idéia de quantos séculos teriam decorridos. Aqui os técnicos não falam do tempo corrente. Vira uma vez a tabuleta caída no chão. O calendário marcava o ano de 8661. Grande mestre, chegáramos longe. Século 87. Que existiria fora do laboratório agora ? Ainda haveria vida inteligente nesta era ? Eu me considero inteligente. Sei que sou inteligente.
    Luís XV dizia que pessoas inteligentes eram aquelas que diziam coisas inteligentes. Isto não constitui uma verdade em todos os sentidos. Tanto é assim que se conseguíssemos contato com alguma tribo do interior da Amazônia, poderia perfeitamente acontecer que alguns dos índios dissesse ou fizesse coisas que são ininteligíveis para nós mas perfeitamente corretas para eles. Inteligência independe da cultura social ou do indivíduo para existir. Ela por assim dizer está ligada ao comportamento funcional e operacional das criaturas da natureza mas não a compreensão dos efeitos observados.
    Lembro-me de ter tido notícia certa vez que havia um aborígene Palaweek que no interior da floresta australiana vivia na idade da Pedra porém correspondia-se com o filho na América por e-mail. A energia da bateria para o NoteBook era obtida de um motor a gasolina.
Edgar Alan Poe no sec. XIX em seu antológico livro Histórias extraordinárias faz exemplos elaborados e brilhantes utilizando o conceito do raciocínio dedutivo em mais de um conto seu como "O mistério do jogador de xadrez" e "O assassinato de Marie Roget" para citar apenas dois.
    Marvin Minsky um dos maiores pesquisadores  de inteligência artificial do mundo aborda estes conceitos na sua fantástica obra "A Sociedade Inteligente" ( The Society Mind"  e que se constitui em um tratado sobre o assunto. Ninguém tão bem como Minsky soube abordar estes aspectos na Comunidade de Informática. Um dos primeiros fatos que Minsky faz notar é que a criança relaciona forma intimamente a quantidade.  
Desde a construção do ENIAC em 1949, o primeiro computador a válvulas e programado por cartões hollerith ficou estabelecido que o processamento efetuado nestas máquinas, como o é até hoje, segue uma ordem seqüencial de instruções. Modernos computadores tem um só microprocessador e sequenciam instruções em uma velocidade que aumenta com o progresso tecnológico mas que continua a ser feita uma a uma. Isto eqüivale a dizer que computadores são máquinas de Von Neumann em sua lógica ao contrário da mente humana que não sequencia instruções e estímulos e é portanto uma máquina de Turing, ou seja uma máquina de processamento paralelo.
Os supercomputadores digitais utilizando dezenas de microprocessadores consegue fazer processamentos paralelos embora o mecanismo da decisão não possa ser implementado com eficiência.
Lembrou-se vagamente que era apreciador de animais. Seu reconhecimento e sua inteligência é admirável. Consideremos um cão que brinca conosco de apanhar um bastão que atiramos para ele. Quando efetuamos o lançamento o bastão segue uma trajetória complicada e bastante próxima de um lançamento balístico que tem a trajetória de uma parábola. O cão segue com os olhos e consegue apanhar o bastão na curva descendente como se fizesse um cálculo que na verdade é muito complicado. Como pode ele fazer isto ? O cão introduz um novo aspecto na questão que é o aprendizado.
Andróides aprendem por redes  neurais mas algumas coisas residem em centros de memória e lógica. Algumas configurações que são reconhecidamente percebidas por matrizes são o reconhecimento de voz, a linguagem natural e o reconhecimento de imagens. Dicionários de dados e  históricos são pontuais. Cores e som utilizam os dois processos
O processo de aprendizado continua no século 87 . Existe uma metodologia de pensamento ?
Minha evolução seguiu as leis da Dialética ?
A primeira Lei diz que as mudanças não ocorrem sempre no mesmo ritmo. Sabia que a transformação com ele ocorrera em pequenos saltos. A Segunda lei é a que nos ensina que tudo tem a ver com tudo. Seus problemas não podiam ser compreendidos em sua totalidade e sim isoladamente. Tudo tem a ver com tudo. Os mais diversos aspectos da realidade se interpenetram. A terceira lei era a negação da negação. A realidade não sucumbe entre tese e antítese, entre afirmar e negar A síntese prevalece. Era andróide ou era humano ? O Jogador de Xadrez era maquina ou não ? A cabeça semi-ovalada lhe doía terrivelmente.
Os braços estavam brancos. A sua carne estava branca.  Será que atingira o estagio da humanidade  ? Sentia entretanto que algo se avizinhava e tomava conta de toda a sua estrutura. Como uma grande escuridão Por um instante sentiu medo, mas foi só um instante.
O Dr. Knudsen entrou no quarto e com gestos mecânicos desligou os monitores das funções vitais de Jedson Silva. Virou-se ligeiramente para a enfermeira a seu lado.
    -Foi uma longa batalha mas fizemos tudo o que podia ter sido feito.  Jedson já não sofria mais. Não pensava e não vivia. Talvez nem soubesse mais que estava aqui. O Alzeheimer não cede a menor oportunidade para nós. Vai destruindo todo o sistema neuronial.. Não podemos ter uma idéia exata do que era a vida para ele neste momento.
    A enfermeira nada disse. Compreendia o desabafo do Dr. Knudsen na luta contra a suscetibilidade genética , a presença do gen ApoE , da doença de Alzeheimer  no brilhante cientista e amigo do Dr. Knudsen e lamentava profundamente aquela perda. Fingiu não ver as lágrimas que teimavam aparecer no canto dos seus olhos e abaixou-se para pegar o calendário que caíra da parede  De cabeça para baixo 0 1998 lia-se como 8661.



 

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