Ato Final

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(O Ato Final)

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Quando chegou a época do vestibular tivemos que ir para São Paulo prestar as provas. As provas para quem não sabe ou nunca imaginou eram feitas em duas fases A primeira fase selecionava cerca de 800 dos 5000 candidatos. Uma senhora peneirada conhecida entre os vestibulandos como "vestibulinho". Nesta fase em que foramos aprovados durava apenas um dia e compunha-se de um teste. Na ocasião haviamos ficado na casa do estudante politécnico no apto. do Massami. Aquele mesmo que se encantara com B. Na segunda fase, em que tinhamos que fazer 5 exames escritos em 5 dias a solução foi ficar em São Paulo. Fomos então ficar no apartamento no Conjunto Residencial da USP onde residia e morava a Primeira Irmã com o marido-o gordo pastor Paulo. Fomos muito bem recebidos pela Primeira Irmã. Lá almoçamos e jantamos por cinco dias. O Bloco F onde eles moravam era somente de pos-graduados e pessoal estrangeiro e até alguns professores lá moravam. Senti um certo intimidamento. Era muita gente que entrava e saia do apartamento a conversar com aquela figura um tanto sarcástica, desbotada e mais para um gordo burguês do que o revolucionário que apregoava ser, porque de um zeloso pastor nada tinha. Um tempo muito empregado em conversas fiadas e leituras pouco produtivas como a cara playboy importada que justificava pelas entrevistas (sic) como por exemplo a de Jean Paul Sartre. Conheci o padre belga Jean-Honoré Talpe um adepto da teologia da libertação e que sempre apoiou as causas estudantis. Sofreu muita perseguição por suas idéias e ações tendo sido preso diversas vezes até a expulsão do Brasil em dezembro de 1968. Professor de física na Politécnica muito nos incentivou quando prestavamos exames. Havia também o estranho japonês Yoshinaga, um budista que vivia meditando e como todos os amigos de Talpe portavam uma cruz de madeira distribuida pelo próprio Talpe. É apenas um símbolo dizia. Como também o alemão Muller, ateu,estudante de biologia e descrente que se reunia com aquelas pessoas tão diferentes para rezar o pai-nosso. Havia a Marcia, a jovem atéia e transgressora de qualquer convivio social, porém adorava Talpe. Gostava de chocar as pessoas com suas polêmicas frases e certa vez afirmou que ignorava que dissera aquela tremenda bobagem de "amaivos uns aos outros". Tal era o grupo que convivia junto com Paulo e a Primeira Irmá .

 Neco confirmaria a previsão de Talpe e ingressaria na Poli em 1967 onde seria o nº 3711, o irmãp Lelo iria para a Federal do Rio junto com seu inseparavel amigo Claudio. A Quinta Irmã ingressaria em 1969. Após o fechamento do Conjunto Residencial em fins de 68 numa mansão próxima a cidade universitária o grupo que convivia com Paulo constituiria uma república conhecida como 'o burgo do Paulo'. Este sempre muito criticado como um representante da "poderosa esquerda festiva".

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O crusp 2

13/12/1968

 

Já imaginou se a gente se formasse e fosse trabalhar na Bell System ? O Neco as vezes viajava...Voce conhece bastante matemática e esse é o ponto fraco de B. Você não pode prepara-la para o vestibular ? A aprovação dela na Psicologia pode depender disso. Aceitei porque faria qualquer coisa qua B precisasse.

As aulas eram dadas aos sábados e tornaram-se a coisa a que ele mais se dedicava. Preparando exercícios e até simulados que pudesse reunir para que B  tivesss e toda a chance e toda a oportunidade possível. Creio em verdade que pouco ou nenhum valor B dispensou a esse esforço que compensava para estar em sua companhia. No seu segundo vestibular B conseguiu sua sonhada aprovação na Universidade de São Paulo.

Fomos prestar exames na Escola Politécnica. Era uma época de muita expectativa e . O Massami, um professor de Geometria do antigo Engo hospedou seus alunos na casa do politécnico. Surpreendeu-se com B e não cansava de repetir para o Neco brincando:-você tem uma bela irmã. Os resultados não seriam de boa sorte para todos.

Houve um momento em que eu parei durante a prova e comecei a divagar meus pensamentos. Acho que o Rio vai ser bom pra mim. Afinal de contas eu nunca quiz cursar a Poli mesmo.(L)

B com a Terceira Irmã e seus irmãos comemorou aquele feito no terraço da Ilha Porchat, A segurança pelo feito a tinha tornado desenvolta e mais segura de si. B tinha um outro brilho agora.  Tinha admiração, envolvimento e tudo que o amor pudessw trazer por alguem que significava o momento tão esperado por tanto tempo. Nem nada nem ninguem tinham trazido isto antes. Ali durante um breve instante senti seus olhos que me fitaram das sombras. B não me dirigira uma palavra siquer, mas no calor da comemoração era possível sentir frieza e irritação como se fosse um penetra.(R)

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 Pois é. Havia o vestibular. Múltiplos, vários deles. Havia Veja, Realidade e Pasquim. Haviam os Beatles, Elis e Chico.  Haviam os Festivais da Record, o homem chegava na Lua e se de um lado os estudantes travavam uma guerra nas ruas em todo o mundo milhares propunham uma alternativa de vida baseada na paz e no amor. Havia Lucy num céu de diamantes, havia Marcuse e principalmente a esperança, a vontade de mudar e acreditar, amar e continuar a sermos imortais. Havia Hair, havia o Crusp e no centro disso tudo estava B que também bailava entre as estrelas num céu de diamantes.

 

Depois que o Richard :Harris gravou esta música não precisa cantar mais nada. Esta foi uma frase muito certa do Claudinho. A canção que Richard Harris imortalizou e que gravou na cabeça de todos nós foi MacArthur Park de Jimmy Web. A verdade é que a música era realmente de uma fantástica interpretação e o Neco gastou literalmenre o single de 33 ouvindo-a dezenas de vezes.

Lelo, sabe que você é parecido com o Peter Fonda ? -Olha, tu sabe que já ganhei até mulher por causa disso. O Lelo tinha realmente uma semelhança com o Peter Fonda e na verdade depois de Easy Rider passou a ser o símbolo da contraculura. Lembro que Easy Rider era uma visão de mundo e uma lição de casa para ser vista mais de uma vez. A verdade é que era tudo isso sim. Eginho, o irmão de Claudinho descobriu Hendrix naquele filme. Recebi a notícia da morte de Hendrix num trem. A greve impedira o fluxo de ônibus pelas estradas. Os trens estavam cheios de estudantes que falavam sobre o fato: o negro gênio da guitarra encontrado morto num hotel. Foi naquele trem que encontrei Merlino. Estava com uma moça e fiz brincadeiras com ele, que fora colega da escola secundarista. Jamais tornei a ve-lo novamente. Foi considerado um desaparecido.

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Sentado diante dela sentia-se toda a força e aquela sensação da importância de estar ali e falar com ela. Era o que era real. Nós não estávamos diante de um mito ou de uma lenda, mas tudo que esperavamos até aquele momento estava ali entrando pelos nossos olhos e sacudindo nossos desejos mais escondidos.  Mesmo que fosse para dizer de assuntos medíocres e pequenos, ou não dizer de assunto nenhum nada poderia ter maior importância ou significado. Mesmo que nada tivesse importância para o dia seguinte seguir o seu curso e mesmo que ninguem desse importância ali estavamos nós e se ela nunca entenderia ou entendeu como importante  sempre estará em algum lugar da nossa vida. B estará cuidadosamente guardada.
Talvez os  que se apaixonem nunca entendam que pertencem a uma especie em extinção que sempre foi dizimada e depreciada  Certamnte nunca trarão tal sensasão insuportsvel para suas vidas corretas.
B era realmente uma pessoal muito especial e talvez nem ela tenha se dado conta disto. Gostava da sua maneira de ver e enfrentar.  Recordo agora um dialogo que foi dito em  Sem destino, em que o motoqueiro preso pergunta ao advogado bêbado em sua cela:
-Diga-me, porque eles tem tanto medo de nós ?
-Eles não tem medo de voces. Tem medo do que voces representam.
B acreditava que eles representavam todos os jovens que queriam mudanças. Mudanças assustam porque muitos tem medo de perder uma enganosa estabilidade que acham que possuem.
B que materializava sonhos, canções, juventude, que poderia usar um vestido de Julieta sem  o menor risco de parecer ridícula como numa fotonovela era  amada e não sabia.  B,  que poderia ter sido trocada por todas as mulheres do mundo e estava em todas as canções do Roberto era amada e não sabia.  B que teria rido muito de tudo isso não percebia e não sabia. B que colocaria Candices e Cardinalis no bolso da minissaia definitivamente não sabia.

B caminhou até a mesa carregando um maço de cadernos que escorregavam ao longo dos quadris num balanço de olhos cansados da praia da manhã. Não fui dormir disse. Estudei a noite toda e como o tempo estava tão bonito resolvi ir para a praia direto. Não tem importância, eu posso prestar atenção. E observava com aqueles olhos cúmplices e culpados, que davam vontade de dizer o quanto ela era querida e precisa, que davam vontade de ter intimidade com ela e seus segredos, que faziam nos alertar que sempre olhariamos paea ela e jamais lhe poderíamos enganar.

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Acho que o Carnaval era mais participativo. Não tinhamos entretanto um entusiasmo incontido como o que acabaria crescendo por anos e décadas. Talvez fosse o clima. Ou apenas a falta dele. Mesmo em grandes festivais em que explodiam aquelas músicas maravilhosas e aqueles intérpretes fantásticos os aplausos eram arrebatados em apoteosos de um público jovem e enamorado de jovens que cantavam o que eles queriam ouvir como Chico, Caetano, Elis e tantos mais. Era uma platéia que tirava a canção do fundo da alma e não uma tarantela mecanicista de bater de palmas e rodopiar de braços de academia.

O Carnaval ainda brilhava nos clubes que aindam não haviam esfumaçado após o desaparecimento do Corso. Era restrito e cara e muitas vezes corremos atrás de uma entrada livre no familiar atletico. R sabia que B lá estaria e muito gostaria de lá estar para ve-la ao menos dançar.Talvez não fosse nem tio mesmo, mas era um velho senhor muito engraçado  e que frequentava também o casarão. Dizia um monte de bobagens e não tinha muito prestígio nem com a mama e nem com a nona, mas o Neco gostava muito do geitão dele.

A Zafira era uma prima distante no parentesco e na frequencia que também viamos de vez em quando. A Zafira era apaixonada pelo Cacá o namorado Zafira.. Não fazia idéia de quanto lhe era dedicado.

Eles faleceriam ambos num acidente de carro quando viajavam para Botucatu.


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 (A única roda viva que conheço é o $%¨!   Palmas para o Chico Buarque que fez essa $%$¨$!)

Fomos ver Roda Viva no Coliseu. Era o ano de 1968 e todo o movimento estudantil, político e -presidente era o Mal. Artur da Costa e Silva amplamente citado no texto com sarcasmos e gracejos. O par de atores centrais eram Rodrigo Santiago e Marília Pera. Na apresentação em São Paulo no teatro de Arena os atôres foram atacados por elementos do CCC que oagrediram e destruiram cenários e equipamentos. Estavamos todos lá: Lelo, Neco, Claudinho, a Terceira Irmã e B também. Claudinho trouxe a mãe Isabel junto com ele. Ela se manifestou muito favoravel ao texto muito embora pesado com uma linguagem cortada de palavrões, segundo eles mesmos necessário para sacudir a platéia. O Neco não aprovou muito a excessiva pichação como ele mesmo se expressou. Creio que foi um sôco na bôca do estomago. Sentamos em camarotes no segundo andar e por vezes observava B o perfil sério e atento.

Foi a primeira vez que um rapaz veio buscar B no casarão para sairem juntos. Um colega da psicologia disse ela. Sabem que ele assistiu Easy Rider 7 vezes ? Nunca soubemos direito quem era ou se era importante.

Creio que nós vemos que estamos ficando velhos, quando percebemos que os jovens também são capazes de amar. (Lelo)

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A Copa de 70 foi o último evento que vivenciamos juntos no casarão. Assistimos no fundo do casarão na casa da Quarta Irmã. Todos presenres, a torcida era grande e todos os jogos foram acompanhados até a vitória sobre a Itália. B como sempre era discreta, mas torcia junto conosco. Até o Nelson que era o marido da Quarta irmã acompanhou os jogos e na ocasião fez   referências a greve dos metalurgicos que vinha acontecendo. No último jogo a Terceira Irmã colocou bandeiras e bandeirolas penduradas na janela que dava para a rua. Foi uma ampla vitória brasileira por 4 X 1. Não era possível acompanhar aquele entusiasmo. B estava muito distante de todos e pouco conversava. Devido a várias dificuldades Neco praticamente estava abandonando a Escola e tornou-se por algum tempo professor de segundo grau em uma escola pública.

 

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Natal e reveillon eram festas que sempre traziam a família de Neco, Lelo e suas irmãs um clima de reu denião, de vontade de estar junto. Não havia participação, apenas e sim breves momentos com eles. R costumava sempre trazer uma lembrança para a Quinta Irmã para que ela percebesse a importância que lhe tinha. B foi a única a receber algo que não tinha possibilidade de ser feito por R. Aquela entretanto, embora não fosse isto conhecido se tornara sua fa mília e sentia-se bem nos momentos em que lá estava com eles e com as pessoas importantes de seus momentos.

Até o marido da Terceira e da Primeira Irmã estiveram conosco sentados na velha mesa que se tornaria de Cláudio um dia. O espanhol Ramon o marido da Segunda Irmã esteve também e Roldan tudo observava embora nunca esperasse a meia-noite pelos caranguejos que o Lelo fazia.


Ato Final sem nada a declarar.




A noite foi muito longa e creio que não valerá a pena mencionar dos detalhes que sei. Creio que será melhor deixar que o tempo se encarrege de diluir o que nós dissemos.
Neco bebera muito e a bebida o deixara alterado. Disse que se sentia o único amigo verdadeiro e leal de Roldan e que fora ele ninguem mais suportava sua companhia. Tudo que pudesse crer era mentira e o único sentimento que suas irmãs lhe votavam era pura e simplesmente a ojeriza e portanto era melhor que nunca mais os procurasse.
R sem compreender levantou-se da mesa de um bar de zona e saiu sem dizer uma única palavra enquanto os auto falantes tocavam Charles Anjo 45 num volume muito alto.  Pensavava em B. Somente nisto. Passou pela matriz ao amanhecer do dia, sem nada para a condução. Irônicamente o dia clareava e os sinos dobravam despecindo-se.
Somente ao tomar consciência que a perda faz parte integrante da natureza do ser humano e que em toda a sua existência terá que lidar e conviver com ela o ser humano poderá amudurecer e libertar a si mesmo da ilusão da continuidade.
O ser humano é mútavel e está continuamente em evolução e mudar a si mesmo e tentar modificar o outro faz parte de sua natureza e do seu amadurecimento. Aceitar que seu pensamento e seus atos não serão reconhecidos também faz parte do amadurecimento.

  FIM


n.d.a.
 Todos os fatos aqui mencionados são obra de ficção e quaisquer semelhanças com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência, exceto no que diz respeito a R a quem conheci pessoalmente. 

 

sino