O anjo exterminador

ANJO EXTERMINADORHavia terminada a gestão da Prefeitura e como acontecia em todo o  território nacional, quando findava uma gestão sempre era inaugurada a era em que rolavam cabeças.Quem trabalha no meio estatal, vulgarmente chamado barnabé, sabe como funciona a coisa toda. A partir da promulgação da constituição de 1988 ficava determinado que o canal de ingresso nos serviços públicos seria o Concurso Público. Isto acarretou um rastro de consequências das quais a máquina administrativa se ressente até hoje. O argumento pueril de que a contratação atrelada a um concurso público efetuado e gerenciado por um órgão independente inibiria o preenchimento de vagas para trocas de favores políticos e comerciais das estatais mostra que isto sempre foi um engano e uma falácia. Tal argumento não resiste a qualquer análise.  Assim a empresa necessitava tanto fazer um concurso para contratar um pesquisador da vacina Sabin quanto para o varredor do laboratório. No  âmbito nacional criou-se uma fonte de renda que abocanhava dinheiro e esperanças em cursinhos preparatórios destinados ao apetite insano da máquina de concursar das estatais.

As empresas públicas criaram os conhecidos concursos-poltergeist que eram concursos para vagas inexistentes, chamados eufemisticamente de vagas de reserva. Uma fonte de recursos garantida e legal. Depois de dois anos tudo zerava e tudo bem com tapinhas nas costas dos desavisados e prejudicados.

O anjo exterminador é virtual. Exatamente como o anjo de Buñuel onde após um lauto jantar os convivas não conseguiam deixar a sala de banquete.

Transitava na Empresa municipal em que trabalhei em várias mudanças de gestão um curioso tipo, uma lenda administrativa, que se evidenciava justamente nessas ocasiões conhecidas no meio funcional jocosamente por rola-cabeça, guilhotina, passaralho e outros nomes impublicáveis. O tipo em questão era conhecido por João cachorro e sua função era em nome do RH entregar as cartas de demissão, função esta que exercia com um mórbido prazer.

João chegou a ser agredido a socos e pontapés em várias ocasiões. O tipo covarde, um retirante do norte e taxista nas horas vagas não se dava por achado até que um dia provou do próprio remédio:foi demitido sem explicações.

Admitido na empresa após a Constituinte que salvou as empresas estatais da corrução criando a máquina de concursar não tive alternativa senão aceitar a única alternativa possível de contornar o concurso. Ser transformado em um assessor, um cargo que nada significava, mas de quem se exigia o mesmo de qualquer concursiota. Assim fui transformado em um genérico, um denorex, um peru em dezembro.

Quando chegava-se a transição da Prefeitura ou Estado oas assessores eram os primeiros a serem colocados na lista do corredor da morte  fossem solteiros, casados, pais, avós ou que atributo possuissem. Eram apenas bucha de canhão tivessem feito o que for. Dizia-se entre grandes gargalhadas que o consumo do papel higiênico tambem subia nas alturas. Aumentava tambem a quantidade de funcionárias grávidas. Afinal teoricamente uma grávida não podia ser demitida. Os homens como não engravidam procuravam arrumar alguma LM (licença médica) que quanto maior melhor. Vi tal quadro ocorrer em diversas ocasiões de mudança prefeitural.  Sendo mais claro foram 11 mudanças de gestão em que assisti fatos surreais que pareciam acontecimentos de Saramandaia ou de uma peça de Arrabal.

Aquela ocasião inacreditável em que um grupo de assessores ficou entocaiado numa sala da prefeitura teve ares de pesadelo, pois se fosse contado para alguém não mereceria nenhum crédito.  Eu mesmo que permaneci prisioneiro sem poder comer qualquer coisa ou ir ao banheiro não acreditaria. Durante horas permanecemos sentados em poltronas ou mesmo no chão lendo jornais e aterrorizados quando o telefone preto sobre a mesa vazia tocava, talvez para anunciar a próxima cabeça a rolar enquanto um gerente assessor com muitas molecagens conhecido por Marquito tentava negociar com um grandão do Partido chamado de Dr.Falcão um corte menor com os assessores. A tortura durou dois dias e foram cortadas quatro mulheres, tendência do coronelato que se apoderava fascisticamente das empresas municipais. Foi a obra do anjo exterminador.

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