Anjos e demônios

Inicialmente pareciam anjos que viriam salvar-me. Depois de algum tempo entretanto, percebi que eram demônios e que deles certamente não viria socorro. (O poço e o pêndulo, Edgar Allan Poe)

 

Anjos e demônios

 

A area de Lee, o descolado chinês havia crescido em certo momento. Tornara-se a soma de alguns serviços um tanto diferentes e sem muita afinidades acontecido por uma série de conjunções do momento. Assim contava ele no momento com três anjos e demoniosvertentes de serviços:a cobiçada concessão de Autorizações especiais para estacionamento pela cidade e esquemas especiais de circulação, Sistemas  desenvolvidos pela Companhia de Processamento municipal e curiosamente sistemas proprietários da Companhia.

 

As Autorizações Especiais eram na verdade cartões que variavam de cor, dia e horário, além é claro da área delimitada para se exercer este direito. Valia um bocado de facilidades principalmente se a área em questão era o centrão da cidade com seus bulevares e suas zonas azuis.

 

Sistemas desenvolvidos pela Companhia de Processamento municipal eram sistemas desenvolvidos pelos analistas deles, com os recursos deles em suas máquinas de grande porte. Não tinhamos nenhum acesso aos programas e tecnologia e eramos chamados de “boys” ou “meninos de recados” dos analistas de sistemas. Tinhamos que relatar os pedidos do povo usuário desde uma nova classificação ou um novo relatório. Intérpretes de desejos e participantes de reuniões. Algo bem pouco meritório.

 

Sistemas proprietários da Companhia ? Como era tal possível se não tinhamos a máquina? Na verdade esta area não era efetivamente uma “propriedade” intelectual do chinês, muito embora no fundo era algo que ele queria.

 

Tudo surgiu de um bem dado golpe de sorte. A Companhia fazia serviços prestados a prefeitura e como tal precisava apresentar um relatório de horas trabalhadas e valores. Este cálculo chamado de faturamento era inviável de ser feito manualmente devido a grande quantidade de detalhes. A solução foi blocar uma quantidade de horas de máquina. Terminais de processamento remoto e a contratação de programadores possibilitaram efetuar sistemas pequenos que eram apenas vistos como horas blocadas. Na vida real esses sistemas eram ignorados, mas aos olhos leigos exercíamos uma tarefa muito difícel. . Um engenheiro muito conhecido, Munhoz, dirigia esta area subordinada administrativamente ao chinês embora na pratica não se importasse muito com ele e seus palpites. As discussões entre os dois eram homéricas e desgastantes Munhoz despejava impropérios e coisas descabidas sobre o chinês e a situação tornou-se insuportável.

 Munhoz saiu e a area sem um coordenador foi repassada para o Grande chefe Naso, o homem com dez anos de máquina, Foi a partir deste momento que realmente passamos a ter um contacto maior com o grande porte. Um trabalho enorme para mudarmos de sala. Havia um sentimento muito grande e represado no sentido de fazer alguma coisa que realmente nos alinhasse com o time de analistas de sistemas, mas a verdade é que pairava um certo medo no ar. A tentativa de negociar um velho e decadente /360 sem uso que era da Cia. do Metrô e ia virar sucata foi combatida por nossos tutores com ardor inquisitório reservado aos anátemas rebeldes e logo abortada sem discussões.

 Bem que naqueles tempos medievais e pré-históricos houve algumas tentativas, mas tudo era implícita e explicitamente abortado. Lembro certas passagens que hoje considero cômicas e hilárias.

 Logo após o Grande Naso assumir a área foi alvo de cutucadas que insinuavam seu acesso a máquina (uma meia-verdade). Era o quanto bastava para deixa-lo furioso e fora de si:”esqueçam disso, não temos acesso a nada” dizia.

 Houve um certo movimento nosso para apenas obtermos copias de alguns manuais da IBM que nos dessem albuma noção de Tecnologia de Bancos de Dados como o IMS/VS Primer, o OS/VS2 coisas que davam na realidade noção nenhuna, volumes de mais de 500 páginas num inglês bem técnico e que hoje iriam direto para aquele arquivo cilíndrico sob a mesa.

 Foi o quanto bastou para que alguns coordenadores da Companhia de Processamento de Dados municipal telefonassem a nossos coordenadores, gerentes, diretores ou coisa que o valha para com ati que tudes inquisitórias e mordazes exigir explicações para tais propósitos de nossos analistas. Tais eram os tempos.

Marelia e Eliana são nomes que ficaram na memória de nós, inocentes analistas sem título.

Eliana era o alter ego e sombra  de Marelia.Uma figura estranha de cabelo longo e comprido. Se colocasse uma bandana na cabeça diriam ter saido de alguma comunidade da contracultura da Califórnia, sempre usando jeans e tenis. Provavelmente tinha uma coleção deles, iguais. A outra coisa que definia seu comportamento era uma fidelidade de cão às ordens e ao controle de Marélia que cumpria ao pé da letra sem questionar. Vim a saber vagamente mais tarde que era o sustento da família e o marido fitotecário do CPD do processamento de dados da Prefeitura.

Marelia era uma loira de baixa estatura peso-pesado e que lembrava um tanque de guerra no aspecto e atitudes. O principal produto que produzia era o Faturamento, imprescindivel para a Companhia que lhe garantia tolerância e impunidade. Os infelizes clientes do Sistema de Faturamento recebiam tratamento na medida de interesse que apresentavam a figura onipresente de Marelia. Algumas moças, clentes com pouco conhecimento eram tratadas a gritos e palavrões pelos corredores se não tenham a sorte de cair na simpatia de Marelia.

 Naso se afasta atraído por uma vantajosa posição no mercado financeiro. Saiu e não se ouviu mais notícias dele. A área sem poder sustentar seus produtos foi dividida em duas vertentes, duas coleções sem sentido:sistemas técnicos que permaneceriam como estavam e sistemas administrativos que seriam desovados na Area de Organização e Métodos,na ocasião uma área sem prestígio, função e perfeitamente descartável. A area de O & M era comandada por um senhor bondoso e idoso, um velho professor de nome João Luiz. Era muito difícel domar os demônios que viram na figura um tanto trôpega de João a oportunidade de tomar literalmente o comando da área.

João Luiz que já tinha uma saúde debilitada até possuia bons ellementos na equipe como a Yolanda uma analista, o Gerson desenhista, mas nenhum pingo de prestígio.

O trabalho de Marelia era acompanhado de um barulhento e bem alardeado marketing com as duas correndo as escadarias para cima e para baixo carregando fitas e conversando com gerentes da Companhia e da agencia bancária dos funcionários.

O estopim da manobra final foi um memorando pirata assinado por Marelia dirigido ao Diretor aconselhando o afastamento de João Luiz por incapacidade de gerir o serviço. As duas não chegaram a ser demitidas, pois demitiram-se antes. Se havia alogo que o Diretor não admitia era quebra de hierarquia.

Tadeu  teve a area de sistemas incorporada a sua gerência. Entretanto havia no início uma separação física, pois Tadeu ficava na Rua Bela Cintra e a controvertida área de Sistemas ficava alojada num prédio da Av Marginal Pinheiros. Tadeu perdeu dois coordenadores que cairam fora, assim como outros funcionários, a area retornou para a Rua Bela Cintra e tornei-me Coordenador.

Sobre João Luiz soube que aposentou-se. Marelia dizerm que foi para um bureau de processamento e Eliana com quem falei casualmente anos depois num evento beneficiente disse ter tido muito constrangimento e arrepondimento do que fez. Arrumou um cargo numa estatal do complexo metalúrgico de cubatão.

 

 
 

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