Paris a été libéré
Terminado o mandato de um prefeito iniciava-se um rolar de cabeças ou um balançar de galhos nos porões da administração municipal. Que derrubava os macacos agarrados nas árvores.
Não tive muito contato com o Vital. Era um Diretor que não era muito simpático e popular ao povo. Diretores que procuravam demonstrar favores servindo um sistema repressivo que bão era a atitude e o feitio do Presidente muita vezes.
Vital desagradou muito e provocou uma fúria e um preço alto que foi cômico. Cômico para ser lembrado.
As diretorias demitiam-se ou eufemísticamente colocavam seus agarrados cargos a disposição, por saberem que neles não permaneceriam.
O prédio tinha três andares e uma grande escadaria interna a descoberto entre eles no sóbrio cinza do cimento aparente. Quem estava em qualquer ponto das escadas avistava todos os andares. Diziam que o prédio fora erguido para ser uma escola.
Na manhã daquele dia o local fora literalmente tomado pela esmagadora massa de funcionários que se sentavam nos degraus da escadaria. Parecia até uma greve. Um murmúrio foi num crescendo tornando-se um vozerio e algazarra que se sobrepunha a tudo.
A sala de Vital, o grande Vital estava agora sem ninguém e um grupo havia invadido aquela ampla sala, que entre outras coisas tinha até copa e banheiro particular. A malta enraivecida despejava os livros das estantes da sala e num cadenciado passa-passa os faziam chegar ao patamar externo diante da entrada onde eram atirados como projéteis ou sacos de lixo pelas escadarias em direção a porta principal do prédio. O mesmo destino iam tendo centenas de objetos e utensílios de escritórios, jabás, pastas, cadernos. Nada escapava com a fúria avassaladora e desenfreada de um povo que de repente parecia ter tomado o poder.
Uma enorme caixa de som que tinha sido trazida não se sabe de onde jogava no ar no último volume de decibéis os acordes da Marseilleuse dando um toque festivo e despojado ao espetáculo-desforra.
Assisti a tudo pensando que nada há para se conversar a despeito das consequências de se colher o plantio dos próprios atos quando se experimenta o advento das liberdades. A coragem para nada fazer e deixar passar as feras vencidas fugindo é maior do que a necessária para enfrenta-las.