O verão de 64

 

O VERÃO DE 64

Poucos se lembrarão daquele agitado verão em 1964. O trecho da praia situado entre os majestosos jardins do Parque Balneário e os agitados bares frente à Pérgola do Boqueirão eram como o ainda são hoje, percorridos por multidões de passantes a maioria jovem.

Lembro-me de figuras bizarras como o Dr.Lairton o famoso Laloco que nem sonhava em tornar-se médico a correr nas pistas da avenida em acrobacias automobilísticas com as calças arreadas e expondo a bunda pela janela. Pois é, era símbolo de rebeldia.

Toninho não era careta. Onde quer que estivesse parado na avenida conseguia juntar uma roda de garotas que dele apreciavam seus gestos e graças reproduzindo os humoristas e malandros da TV. Quando Toninho juntava com Troiani a coisa era de rolar de riso. Eram dois palhaços que se esmeravam em bisar as gracinhas da TV – Oh, me dá um tijolo aí! ! ! A turma do Clube de História Natural surpreendia-se com o cuidado que Toninho tinha com os materiais. Era um contraste com seu modo palhaço. O Toninho era muito considerado por sua participação responsável nas atividades de laboratório de estudos no Colégio Canadá. Naquele verão o Sasdeli estava se mudando para Curitiba, mas isso ele já fizera várias vezes. Interessante foi assistir a uns três bota-foras do Sasdeli todos no Bar São Paulo.

Muita vez nos cruzávamos pela praia geralmente próxima ao Bar São Paulo no reduto noturnode Sion, Cancelo, Paulino e Serginho Mateus. Devia ter havido uma audição de Bossa no Olimpia ou no Hotel Martini. A vocalista e amiga Aleuda estava com eles. O Bentinho e o Balança também. O Balança e seu inseparável trompete. O calor daquele verão fez com que o Balança se atirasse de roupa e tudo na fonte luminosa da Praça das Bandeiras e tocasse Sally’s Tomatoes sentado dentro d’agua.

bar sao paulo

O Bar São Paulo fervilhava pela madrugada e ia recebendo a visita de todos.  O Batalha, o Tarso e a turma do Cidade de Santos.  Até o Carlos Augusto e o Paulo Paixão eram vistos por lá. Era um lugar popular onde se tomava o chope. O pessoal dos bailes preferia ir para o Restaurante São Paulo na Praça Independência, como o Mandy, ou então o Presidente no Boqueirão. O Mandy frequentava muito os bailes do Parque Balneário.

O Fernando e o Calil frequentavam o Presidente. Eram amigos e até íntimos dos garçons. O Fernando podia ser visto todo o fim de semana no Presidente. Lembro-me dele ter dito certa vez que quando morresse gostaria de ser enterrado em frente ao Presidente sob as mesas nas calçadas. Mórbido e rebelde acho que seu desejo não se realizou. A noite prosseguia até terminar na General Câmara próximo à Bittencourt. O Love Story era movimentado toda a noite com as meninas operárias do sexo jogando conversa nas mesas. Antes de chegar ao LS Facundo e Amilcar percorriam as casas da General Câmara. As casas iluminadas com luz negra e colorida onde podia faltar de tudo menos alegria. Nem que fossem falsas alegrias. Dª Marieta era a dona do bordel mais antigo da Bittencourt. Vangloriava-se de ter recebido pela primeira vez a Athie Jorge Cury. Facundo era um verdadeiro palhaço, ébrio e cantante. Amilcar costumava declamar poesias para as garotas. Já denunciava sua entrada na Academia de Letras.

As garotas do LS desfilavam com uma elegância descabida as roupas da moda. Era quase uma exigência provisional para atraírem o olhar e o desejo do imaginário masculino para sua figura. Se a moda ditava minissaia as meninas usavam minissaia. Se a TV mostrava trança ou flor no cabelo não se encontrava nenhuma que não se apresentasse assim. Ossos do ofício.

-Quem são aqueles? Facundo apontava dois enormes mulatos sem camisa, o corpo musculoso e malhado.

-Não te preocupa amor! São viados. Não vão incomodar a gente Este pedaço tá sob a guarda do cafifa. Eles protegem seu patrimônio. Se encostarem um dedo na gente apanham.

Amilcar bêbado continuava a declamar poesias que tirava de papeis amassados e sujos de cerveja que tirava do bolso do paletó.

-Faço poesia sim! Escrevo todos os discursos do Presidente da Câmara. Não contem pra ninguém.

O grupo era pertencente ao colegial noturno e todos conheciam as loucuras insuperáveis de Laloco. Aquela da troca da sabatina noturna tornou-se uma lenda. Precisando de nota a sabatina seria resolvida por um cientista após a prova ter sido atirada numa bola de papel amassada pela janela da classe durante a prova. O problema era receber a prova resolvida, mas Laloco arquiteta um plano mirabolante. Na ponta de um barbante pendurado pela janela o cientista amarraria a prova resolvida. Um parceiro do cientista seria avisado por ele e no corredor fora da classe colocaria uma forquilha de madeira com uma soquete de pinos soldados na tomada do corredor dando um curto para cortar as luzes e assim dar o tempo de escuridão para a prova ser puxada no barbante para dentro da sala.

Bingo !

jeronimo

 

Ó aviso para a operação seria um berro do cientista: Jerônimo!

É claro que não funcionou, pois é difícil dar um curto assim na rede, consegue-se no máximo um estouro. O grito Jerônimo do herói do sertão provocou gargalhadas por muito tempo. Entretanto não se podia deixar de reconhecer que o plano era audacioso.

Pois é, ninguém era santo, mas a verdade é que mesmo sem saber era o último verão antes do lamentável mergulho nas trevas da estupidez e da ignorância. Foi tudo muito divertido. Acho que o próprio Jerônimo teria achado divertidíssimo.