Jau e a Presidência da República

Jau e a presidência da república

O interior era um lugar distante e desconhecido muito longe da última fronteira conhecida. Vagavamos pela estrada em busca de destinos não conhecidos. Synésio um grande amigo fez questão que eu o acompanhasse, pois estava disposto a distrair minhas dispersas divagações surgidas após o vazio provocado pela precoce morte de meu pai.

Ele se esforçava bastante como se esforçam aqueles amigos com quem sempre podemos contar após a falta do chão. Synésio. Oriundo das raízes de uma família de barões do café e que fixara no passado colonial o seu império em Jau Dele granjeara o alcunha de Jau preremptoriamente atribuido por um professor louco e gozador.

jauA família o chamava de Zito, um diminuitivo um tanto impróprio de Synezito, na verdade impróprio porque há muitos anos ele não era tão Zito assim. O Zito enchia literalmente qualquer sala e qualquer cena com seus mais de 1m90 de altura e considerável peso, pois tinha um comportamento gozador ao extremo. Quem diria tal coisa, o Zito era um tímido de plantão. Um amigo de todas as horas, das fáceis as complicadas sempre se mostrando uma pessoa generosa.

É verdade, havia teimosamente aquele lado pão duru, não sovina, mas pão duro.

Quando encostamos no balcão de uma lanchonete após o desfile de um Sete de Setembro pedi um misto e Zito um sanduiche de mortadela. Zito pediu uma cerveja, ima “âmpola” como ele sempre dizia. A cobrança foi um preço absurdo no misto e tive que ouvir repetidas risadas e gozações : bem feito ! Faça como eu e peça mortadela porque é tabelada pela SUNAB. Ainda tive que escutar reclamações do preço da cerveja.

-Que roubo, aposto que voces não cobram isso dos guardas ali no balcão !

Assim era o Zito. De uma certa feita, quando fomos a aventura de recolher exemplares de algas para a exposição colegial em Itanhaem, Zito se apresenta para duas caiçaras na praia e diz solenemente : “Somos um grupo de algologistas”

Aquele incidente do caderno de desenho certamente não será esquecido. O conhecido Paulo louco, aquele que chamava o Zito de Jaú vez por outra fazia uma inspeção nos cadernos. Costumava manter o caderno sempre atualizado com todos os desenhos passados desenhados e prontos.

 Não era o caso do Zito com as páginas em branco e desenhos faltando. Na inspeção quando Zito apresenta recebe vários elogios do mestre. Passando pela minha vez ouço apenas a voz desagradável do Prof. Paulo criticando :

-Isto está ruim, horrível. Porque o Sr. Não segue o bom exemplo do seu colega Jaú aqui na frente e mantem um caderno como o dele ?. Zito, mal podia disfarçar o riso. Ele havia trocado o caderno dele com o meu.

Quando chegamos a Jaú ficamos alguns dias na casa da avó de Zito. Casa grande, quase uma granja, casa de interior. Sempre almoçavamos bem etomavamos um café grande a tarde.  A avó de Zito fazia bolinhos de chuva diariamente e fazia lembrar até o sítio do picapau amarelo.

A cidadezinha era pacata e a noite os fovens se reunião na praça do coreto para a realização do “footing”, aquelas coisas que só existiam em cidades do interior.. Já ouvira falar, mas não conhecia. As jovens solteiras circulavam em roda pela praça e os rapazes formavam uma perfeito roda de quadilha cercando-as enquanto a marcha se desenrrolava geralmente entre 20 e 22h quando tudo terminava. Um costume dos tempos, um precursor do Corso.

Após esse horário a maioria se recolhia e alguns ficavam pelos bares bebendo e contando bravatas. Zito e eu costumavamos ficar na sede do Automovel Clube na mesma praça e nesses tempos eu arriscava tocar algumas músicas no piano do salão. Zito fez um conhecimento com duas moças, mas a arte e a vontade de uma gozação não foi contida. Assim é que fui apresentado como um avançado aluno de medicina, filho de um célebre cirurgião paulistano. Exímio pianista. Que diga-se de passagem fazia tremendos esforços para tocar uma única música. Ainda bem que tudo aquilo acabou quando Zito se acertou com a parceira dele.

Resolvemos passar em Ribeirão Preto, uma cidade interiorana um pouco maior e famosa por suas repúblicas. Zito conhecia alguns amigos por lá.. Algumas eram até nacionalmente conhecidas como a famosa “Oco do Mundo” por formar trocadilho impublicável com o nome e aquela que tinha  um grupo de serviçais  formado por mendigos que usavam vestimentas de serviçais a Luis XV e coisas desse naipa.

Estivemos na maior delas.  A casa, uma mansão remanescente dos barões do café era realmente imensa. Fomos recebidos numa sala enorme assemelhada a uma bibloteca, onde haviam escrivaninhas   

Sobre a parede um quadro, uma réplica que mostrava Cristovão Colombo apresentando vários mapas aos reis da Espanha. Ima placa na porta dizia em letras pretas sobre dourado: Gabinete da Presidência.

Espantado, vi o rapaz levantar da poltrona durante a animada conversa e dizer solenemente no  telefone preto que tocara : “PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA”. Vestígios de uma época.

 

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