O colecionador de emoções

 

A coleção é uma moeda de troca. Troca emoções por momentos de prazeres e felicidade

 que não poderão repetir-se porque serão sempre novos e diferentes e nunca os mesmos.

 

         A coleção nasceu com o homem. Creio que ao juntar dentes de animais selvagens tombados ante sua força o homem primitivo formou a primeira coleção. Quem sabe as pedras coloridas que despertaram sua curiosidade ao atravessar os riachos em busca da caça para a sobrevivência e depois as peles que levava para abrigar-se do frio nas cavernas.  O instinto colecionador está no homem desde o seu arquétipo e o acompanha desde os primórdios da humanidade.

         A natureza foi quem primeiro despertou minha paixão infantil pelas coleções. Apanhar conchas e estrelas do mar era sempre uma diversão para qualquer criança que se prezasse. Eram guardadas em caixas de papelão e mostradas com grande exibição para vizinhos, tias e tios.

         Criança também me lembro bem das balas seleções. Por incrível que possa parecer era uma bala. Enrolada na bala vinha uma figurinha que era depois cuidadosamente colada num álbum. Havia muitos conjuntos no álbum, um por página me parece. O álbum era aberto com as 7 maravilhas do mundo antigo. Figuras coloridas das construções cujos nomes guardei com precisão e nunca pude me esquecer: As pirâmides do Egito, O Colosso de Rhodes, Os jardins suspensos da Babilônia, A estátua de Zeus em Olímpia, O templo de Diana em Éfeso, O mausoléu de Helicarnasso, O farol de Alexandria. A que mais me chamava a atenção era uma que representava os jardins suspensos construídos por Nabucodonosor que bem mais tarde vim, a saber, paradoxalmente situavam-se no Iraque ao sul de Bagdá.

         Segundo as descrições dos especialistas "os jardins eram seis montanhas artificiais (terraços). Os terraços eram feitos de tijolos e foram construídos uns em cima do outro".  Eu não conseguia entender como um jardim podia ser suspenso.

Havia ainda figurinhas de carros antigos, aviões  e também animais selvagens.

         Já quase perto da Copa do Mundo. O Brasil nunca havia ganhado nenhum título ainda a febre de colecionar figurinhas da Copa era grande como a mania de jogar botão. Sem a televisão para trazer as imagens de um Brasil triunfante, as figurinhas eram um substituto muito procurado, sem contar que o álbum preenchido podia ser trocado por bicicleta.

         Colecionei sem grandes esperanças e não tive muito sucesso. As figurinhas "difíceis não eram encontradas nos pacotes e tinham que ser compradas de cambistas que cobravam caro. Figuras como a “Folha seca" ou o "Telefone" só cheguei a ver quando eles ofereciam aos garotos reunidos em frente às bancas de jornal. Uma das folhas era a taça Jules Rimet composta de 20 figurinhas. A maioria fácil de ser conseguida exceto as duas que formavam o pé da taça, em especial a do lado direito. Praticamente impossível.

         Um engradado com meia dúzia de garrafas de Coca-Cola em miniatura foi o sonho de muitos meninos e meninas certa época.

 Não era necessário apenas colecionar tampinhas e sim tampinhas especiais que tinham uma garrafinha gravada por baixo da cortiça. Dessa vez consegui uma garrafinha.

         Quando garoto também ganhei uma coleção de selos de meu cunhado. Era bastante organizada e compreendia um grande período filatélico dos selos brasileiros. Havia já algum tempo que os selos me atraiam. Aqueles pedacinhos coloridos de papel me atraiam pelas suas imagens vindas de lugares distantes que raramente víamos. Tinha alguns amigos que diziam colecionar selos, mas eles limitavam-se a compra-los e coloca-los em álbuns. É claro que quanto maiores os recursos maiores as coleções. Lembro-me de um deles a mostrar-me um álbum de um país africano, Ghana acho eu. Comecei a colecionar seus selos porque ele ficou independente agora. Mas, pensava eu, que é que tinha Ghana a ver com o Brasil? Creio que consegui incrementar a coleção recebida. Além disto consegui várias moedas também.

         Tínhamos uma grande quantidade de moedas em casa. Meus pais explicaram-me que as moedas antigas vinham como brinde no interior do sabonete Carnaval. Na farmácia de meus pais usavam-se agulhas de injeção confeccionadas em platina. Meus pais colecionavam tais agulhas até que o surgimento da seringa descartável aboliu o seu uso. Havia tantas agulhas que elas foram usadas para faze um anel que minha mãe usava na mão direita.

         Meus colegas colecionavam gibis. Eram várias coleções de várias revistas. Meu pai colecionava a revista Seleções do Reader's Digest. Eu adquiri o gosto pela leitura lendo estas revistas que traziam na ocasião sessões de variedades muito interessantes como uma biografia em "Meu tipo inesquecível" e desafios de português em "Enriqueça o seu vocabulário".

Viajando as fotos não me bastavam. Passei a colecionar várias coisas de todos os lugares por onde passava tais como os guardanapos com os símbolos das aeronaves, bilhetes rodoviários, cartões de embarque e um punhado de badulaques de locais visitados na qualidade de cidadão do mundo.

         Os chaveiros com a identificação da origem, um nome ou um desenho, um ícone, canetas, isqueiros, caixas de fósforos, latas de cerveja, miniaturas em garrafinhas,  canecas de choop, apontadores em forma de objetos antigos e uma infinidade de adesivos, flâmulas e cartões postais. Não sei como tive paciência para juntar tanta coisa.

         Havia objetos de recordações presentes como os frutos de uma castanheira que colhi na Ponte Vechio sobre as águas turbulentas do Tibre. E por que não os cascalhos arredondados pelas águas das piscinas nas Termas de Caracalla? Tenho um apreço por aqueles ramos de um cipestre que estava à beira da margem de Loch Ness quando esperava que Nessie aparecesse.

         A coleção é uma moeda de troca. Troca emoções por momentos de prazeres e felicidade que não poderão repetir-se porque serão sempre novos e diferentes e nunca os mesmos. Talvez até nos proporcionem novos momentos e sensações, mas as emoções que nos trouxeram jamais serão as mesmas porque elas existiram naquele e para aquele momento. Por isto somos todos colecionadores de emoções. Ouvindo uma música, assistindo um filme ou vendo uma foto e até lendo uma crônica.

         A coleção faz parte do cotidiano humano e está em seu arquétipo. Representa o imposto que as terras e os locais lhe dão de tributo a sua passagem ou ainda o seu afã de recriar o passado que lhe foi agradável ou a lembrança dos tempos felizes e significativos que embora tenham se extinguido foram transferido para as coisas que despertaram emoções em seus colecionadores, os colecionadores de emoções como eu.

 

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