As minhas canetas

 

AS MINHAS CANETAS

 

Quando o velho curso Primário ainda não era chamado de Ensino Básico, frequentava uma pequena escola conhecida por Ateneu C . . . Situada a umas razoáveis quadras de casa, lá ia eu, calças curtas azul-marinho e camisa branca, sem faltar é claro os sapatos de bicos quadrados, mala preta e a lancheira.

Ia para a escola a pé, sem peruas escolares, sem malas de rodinhas, sem fichários com a foto da Daniela Winits e com algumas brochuras, quero dizer cadernos de rascunho, sem lista de material escolar adquirida a peso de ouro com muito bate-boca e também sem canetas. Só levava lápis e borracha. Para  fazer quase tudo.

As carteiras escolares eram grandes e enormes para garotos miúdos e franzinos. Todas tinham no tampo uma abertura redonda onde era depositado um vidro de tinta Parker azul. Havia o momento certo de deixar o lápis e aprender a escrever com tinta e que só acontecia com mais de um ano de primário. Um momento aguardado com curiosidade e ansiedade pois era um indicativo de que estávamos mais crescidos e responsáveis.

Os exames eram então feitos com canetas que passávamos a trazer no estojo de madeira, aquele com a palmeira e o barco gravados no tampo corrediço e que carregávamos na mala.

As canetas eram de madeira com cores vivas como vermelho, verde ou azul e a ponta chata trazia encaixado um anel largo de metal com uma fenda circular. Nessa era encaixada a pena de aço com uma abertura no bico até a espátula de encaixe.

Escrevíamos molhando a pena no tinteiro encaixado na carteira, repetindo esta operação várias vezes pelo texto afora. Tal prática exigia a mão leve para não “abrir” a pena, não apoiar o braço no tampo e muita limpeza, certamente dificultoso para garotos irrequietos.

Lembro até certa vez em que fazia uma prova e ao retirar a pena da tinta respinguei diversas gotas na folha de papel almaço. Passei o mata-borrão e as manchas espalharam-se. A professora, uma senhora gorda e espalhafatosa pôs as mãos na cabeça e fez uma cara de horror. Peguei então a régua e circundei os borrões com uma moldura. Ela olhou novamente na próxima volta que deu e falou:-‘Ficou pior. Quadriculou a sujeira’.Eu gostara. Parecia, pensava, um quadro de um tal Picasso que vira num livro.

As dificuldades não chegaram a abalar o meu entusiasmo em produzir escritos. Nem em usar as canetas. Alguns anos depois descobri as canetas-tinteiro carregáveis com tinta. Minha irmã já as usava na escola Normal. Havia a Parker 51 que tinha no corpo da caneta uma pequena bomba de borracha que apertada entre o indicador e o polegar era introduzida no tinteiro. Afrouxando-se a pressão dos dedos a bomba sugava a tinta. Depois era desliza-la no papel e a escrita saia fina e legível enquanto a caneta corria macia. Que coisa perfeita. A Parker foi realmente alguma coisa para não se esquecer. Dominaram até que veio a era das esferográficas.

Não consigo recordar-me de quando vi a primeira esferográfica, mas elas eram uma novidade tecnológica. Pode até parecer incrível, mas havia até anúncios em revistas anunciando a novidade. Uma esfera milimétrica que rola entre a ponta e o corpo da carga, Sem penas e tinteiros, e com ela você pode até assinar cheques! Parecia definitivo.

Na década de 60 vi um colega escrever na porta do dormitório do Conjunto Residencial da Universidade  ‘Lucy in the sky with diamonds’. Vendo meu ar de espanto agitou uma caneta no ar.’É uma nova caneta que escreve em qualquer superfície. Tem a ponta porosa.” Assim tomei contacto com a mais nova novidade tecnclógica. Não se estava mais limitado ao papel. E as cores podiam variar muito. Ponta grossa, ponta fina, pincel atômico e eram cartazes em profusão. Escreva em sua própria camiseta.

Foi depois já na década de 80 que vi pela primeira vez um Apple com um pobre disco 5 ¼ imprimir um texto após fazer muito barulho numa impressora de impacto usando um tal de WordStar. Esperei tempo até ter condições de fazer a redação  num microcomputador. Dar adeus as tintas, ao fôlhas de Letraset, as minhas saudosas canetas que tantas alegrias e também tristezas proporcionaram, mas que me deram o gosto e o apreço pela literatura e o exercício da arte de escrever. É por isto que de vez em quando eu as tiro do estojo e uso.

 

 

 

 

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